31 de out. de 2013

Espantalho

Essa é a história de um espantalho.
Entre o sul de Algum Lugar e o norte de Lugar Algum, havia uma fazenda sem nada de incomum. Animais ali pastavam, e cães deles cuidavam. Tinha milharais até onde os olhos podem ver, e também outras plantas, que não paravam de crescer. E também tinha uma casinha, de madeira e aconchegante, onde morava uma família de escória contaminante. E no centro disso tudo, entre folhas e espigas de milho, cresce um espantalho, na posição do sacrifício.
Do topo de uma árvore, perto do milharal, um corvo observa o espantalho, com obcessão sobrenatural. O espantalho é feito de carne, e sangue escorre pelo seu rosto. Ele está fraco, e manchas vermelhas adornam seu corpo. Ar entra nos seus pulmões trêmulos e sai com o odor de mil túmulos. Seus olhos estão opacos e sem vida, e mais corvos se reúnem, para ver sua maravilha.
Um dos corvos se estremece com seus augúrios abissais, e prepara seus pulmões para proferir seu "nunca mais". Mas sua maldição é, de repente, interrompida, pelo som de cacos no chão e rasgos na cortina. Gritos de dor e tiros na surdina.
Uma menina, oh tão linda, de apenas 10 anos, sai correndo da casinha, com olhos de horror inumano.
"Mano! Mano!" Ela grita em desespero. "O papai chegou! Ele chegou mais cedo!"
O espantalho levanta sua cabeça, e vira ela com medo, e tenta se livrar do crucifixo no qual está preso. Seus esforços são em vão, mas a menina o ajudará! Ela não o deixaria na mão... Ou será que deixará?
Outro estouro assusta os corvos para longe, de volta à terra dos condenados, e a menina cai de joelhos na terra, ante ao crucifixo do seu amado espantalho.
"Irmã, irmã, me tire daqui. Não aguento mais isso, tire-o de mim."
"FI FAI FOU FU" ouviam os irmãos na distância da casinha. "FI FAI FOU FU" repetia a voz bêbada de dentro da família.
Lágrimas dominavam os olhos dos irmãos, e a menina desamarrava o fardo das suas mãos. O espantalho estava livre! Finalmente! Serão felizes! Ou pelo menos assim seria, sem suas cicatrizes. Suas pernas lhe foram cortadas para que não pudesse fugir daquele bêbado que gritava "FAI FOU FU FI".
Eles tinham que se esconder. Se ajudar pra sobreviver. E assim foram pra árvore, de onde os corvos os viam sofrer.
"FOU FU FI FAI! ONDE VOCÊS ESTÃO, SEUS PEQUENOS PIRRALHOS?! FU FI FAI FOU! VOU ENTRONTRÁ-LOS E FAZÊ-LOS DE ESPANTÁLHOS!" Nisso, um pequeno corvo que não havia fugido, estava ali, convenientemente, para expressar o seu augúrio maldito. "Nunca mais" ele gritou e o destino dos condenados, selou.
"FI FAI FOU FU, EU NÃO PRECISO DE MAIS NENHUM!"
Essas foram as últimas palavras que a menina ouviu, e deram luz ao ódio que o espantalho sentiu.
Ele tentou lutar o melhor que pode, e o amaldiçoou o quanto fosse. Porém, o grande homem bêbado apenas riu da sua cara, e o chutou no estômago como se fosse ter graça. O menino desistiu, e libertou a sua alma. Vingou-se do seu pai, mas ficou preso àquela casa.

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